domingo, 16 de setembro de 2018

Odor de Classe média.

A vida em apartamentos exala um cheiro diferente.

Em 8m² de conjuntura técnico-funcional, a única fenestra disponível aos ventos se condiciona num fluxo convectivo entre paredes alvas de massa acrílica que deposita nossos fragmentos desprendidos de pele no chão de taco sintecado. Entre as frestas de madeira desse piso, se acumula o pó de nossos chinelos junto a células mortas de epiderme que ali, vão curtindo e envelhecendo entre micro tonéis de taco.

Aos poucos se levantam os aromas desse couro morto curtido, mesmo após a passagem da diarista.

Sem saber como era gerado, sempre o defini  como cheiro de quarto dormido ou aroma de adolescente branco em onibus azul. As notas de meia perdida sob a cama , short de academia , fluidos de colchão e copos de coca com restolho são secundários nesse miasma urbano, moderno e destinado a ser parte da rotina de cada vez mais pessoas.
A pele que deixamos para trás é o rastro mais íntimo de nossa presença nos cubículos dos edifícios. Nossas células vão fermentando em substratos diversos. Alheias ao toque do interfone e ao capricho da especulação imobiliária.

quarta-feira, 27 de junho de 2018


A primeira revolução industrial de fato começou há 300 milhões de anos. 


Nas brumas do carbonífero a terra antes nua foi sendo vestida com a maior malha industrial de todos os tempos. Rasgando o horizonte de uma Terra sem homens se ergueram as chaminés da mais complexa usina de energia já desenvolvida no planeta.. Triste daquele que enxerga na árvore um esteio inerte, apático e imóvel no tédio de sua estagnação. Injustiça atroz! 


Na cepa altiva dos arvoredos vejo a robustez de uma fábrica dotada com chaminés estrondosas que cospem suas lâminas de fumo resultantes dos processos de transformação operados por um sistema mais complexo e profundo que o de qualquer manufatura. A relação entre um chão de fábrica moderno e os paus fotosintetizadores é explicita!! Chegamos ao ponto de plagiá-los mas, sem o mesmo lirismo. 

Siderúrgicas e galpões transformadores se alimentam com hordas de caminhões e locomotivas que ali despejam seus insumos a serem processados em linha de produção. De lingotes à toneladas de concreto cinzento. Dos fétidos barris de diesel aos fardos de plástico em tubos. Dos encardidos carregamentos de minério às cargas de têxteis.....Nada disso se compara com a derradeira e etérea matéria prima que as fábricas vegetais cooptam: a luz. Três meras letras traduzem a pureza do inefável insumo que ao invés de modais rodoferroviários chega até elas no resplendo de um raio solar. =*



Pelos tecidos arbóreos, batalhões de cloroplastos se articulam em tarefas operacionais de transformação tão eficientes quanto operários humanos que atendem aos apitos da firma. Um turbilhão de atividades se encerra dentro das ramas aparentemente estáticas que na verdade, fervilham ante a fosforilação de moléculas empenhadas em gestar as adenosinas trifosfato. 



Por mais avançadas que sejam nossas fábricas, nada se compara ao poder das indústrias arbóreas em converter a matéria inorgânica, inerte e basal em elaboradas cadeias moleculares de estrutura orgânica. A alquimia industrial disso não gera bens de consumo supérfluos e fúteis mas, a base de consumo de toda cadeia ecológica junto do vital ar do qual nos nutrimos. As chaminés de fábrica expelem fuligem asquerosa em baforadas de monóxido enquanto as chaminés de tronco transpiram no farfalhar de folhas névoas incolores, insípidas e fresca de oxigênio manufaturado. Produzir o orgânico a partir do inorgânico embebido com raios cósmicos de luz é mais do que alquimia; é magia ornada por um véu de poesia. 



Foi o propagar das matas que nos trouxe as mais primordiais e excelentes fábricas dotadas de chaminés e não a revolução industrial nos idos de 1700. Um Pólo Fabril em Manchester é mero engenhozinho se comparado à industriosidade da mata virgem antes ali existente. Provavelmente, foi a capacidade dos britânicos em reconhecer o papel pioneiros das árvores na transformação em larga escala que os permitiu nomear a palavra “Usina de Força” como: Power Plant. O poder vegetal é realmente o que melhor define a inspiração de sua empreitada. 

P.S ...........
Uma semente que repousa na palma das mãos tem a primazia do design em uma forma perfeita na funcionalidade e incomparável na capacidade de compressão. É uma bela capacidade de se dimensionar pelos extremos. Da sequoia colossal à semente que a produz trilham-se centenas de metros de intervalo. O potencial da sequoia se encerra no grão de 4mm em altura.

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

As pedras do caminho

A capital de Minas fazia jus ao nome quando se olhava para o horizonte de 90 anos atrás. Em um panorama sem prédios encardidos o firmamento tocava as serras em cores de chumbo cobreado com tons de Sasha embarbecido. O romantismo descia dos céus até a calmaria das ruas calçadas de gnaisses que brilham ao toque da chuva. Os anos encobriram a beleza dos paralelepípedos em nome da praticidade acolchoada do asfalto que melhor acalenta os pneus.
Chãos graníticos se converteram em ruas que são mais rodadas do que pisadas. Tristemente se apagaram os passos de um Drummond bêbado ou de um Pedro Nava lânguido que subiam a Rua da Bahia. Também sumiu o rastro do funcionário público de colarinho duro que descia a mesma rua ressoando o toc-toc do sapato bicolor em sola de madeira pelos veios da pedra.

No entanto, ainda resta uma vaga lembrança dos anos pueris da cidade pouco notada em meio ao embarque e desembarque da estação e os ébrios da boemia.   É na rua Aarão Reis que resiste a última via em calçamento original da jovem urbe das minas. Lá estão blocos de rocha que testemunharam a passada de boêmios que escreviam versos em paredes de banheiros nos quais se aspirava uma cocaína comprada em farmácia. Felizmente tenho o privilégio de caminhar por estas pedras todos os dias enquanto alimento a  esperança de resgatar um tempo que eu não vivi. É ali na fedentina do baixo centro que posso respirar a sublime permanência de uma nostalgia congelada na sonolenta ruazinha de pedras. Ruazinha esta que, contrariando a lógica das cápsulas do tempo, se preserva ironicamente por não estar enterrada. A Rua Aarão Reis acaba sendo uma cápsula do tempo pervertida. Enterrá-la seria matar os marcos memorialísticos que ela evoca o tempo todo em silêncio tomando sol e chuva, jorros de vômito e cascos quebrados de Heineken, passos corridos de quem bate o ponto e freadas do MOVE trambolhão. 

Andar pela manhã entre a Serraria e o viaduto garante aos que tem memória farta e coração mole um aperitivo dos idílicos sabores de uma Belo Horizonte que já está quase totalmente sepultada sob o macadame.

Sobrevivendo à tirania do asfaltamento ficaram alguns resquícios dos calçamentos de rua originais do inicio do século como na Alameda das palmeiras (praça da liberdade) e alguns caminhos dentro do Parque Municipal. Mas rua inteira do inicio ao fim é só a imunda Rua Aarão Reis que ainda resiste agonizando entre a modernidade e a beira do asfalto.










domingo, 25 de setembro de 2016

Do que é pequeno tambem se entende a base

Muitos são os detalhes que nos definem. Não só como indivíduos mas também como povo ou nação. Ao ler um dos estudos sobre a CCNC (comissão construtora da Nova capital de Minas) me chama a atenção saber que após anos de estudo, esboços idealistas e todo um planejamento pretensioso a cidade de Belo Horizonte foi inaugurada em dezembro de 1897" com um serviço de coleta de esgotos praticamente inexistente, precariamente abastecida de água vinda dos córregos do cercadinho e da serra e pavimentação por concluir". Podia-se notar na época que apesar do entorno empoeirado o Palácio da Liberdade e as Secretarias já despontavam no topo do alto relevo coroado pela praça tal como uma Washington Dc que admira a unção da sua Colina Capitólio. Notem como é recorrente nos dedicarmos mais às aparências do que para a essência. Cidades podem nascer sem uma estrutura nutricional básica que a sustente em suas necessidades de infra estrutura e saneamento desde que, ja sejam dotadas de um palácio (que provavelmente esta nutrido com suas latrinas). Alem da cordialidade explicada por Sergio Buarque possuímos o vício de não dedicarmos urgência naquilo que realmente é urgente. O tempo que sobra em virtude desta ingerência não deságua no ócio, claro q nao! Pois usamos esse excedente para nos preocuparmos com aquilo que é aparente ou ate mesmo fútil. Discuti-se a cor da cereja sem que se defina a qualidade da massa de bolo. Abrimos uma comissão de estudo para avaliar o uso da bermuda pelo funcionário que há anos executa comandos desnecessários em um sistema operacional obsoleto e preferimos reparar o ar condicionado q resfrie o gabinete de um Mestre de Ordens do que a sala de controle que hospeda o Servidor da rede de computadores. Fazer mimimi é mais atraente do que coisas práticas ou que dependam de uma dedicação concentrada por serem de ordem fundamental. Pensar no ensino superior e mais interessante do que terminar o primeiro grau, comprar roupas sem cuidar do corpo e se dedicar mais a missa mais do que a Deus. São estes os detalhes fundamentais da nossa brasilidade.

domingo, 13 de julho de 2014

Quem me faz sorrir, espontaneamente transforma a brevidade dos meus dias em amostras satisfatórias da eternidade

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Savana de Pindorama.

O cerrado gosta de se entrelaçar. Lá, as ramas entendem de amor pois se lançam pelo espaço com lasciva desenvoltura. Se espalham e crescem guiando-se pelo contorno da não-contenção. No cerrado, é regra ter galhos tão libertinos quanto o rebolar de uma mulata e não uma exceção.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Quebrando breaking Bad


O último capítulo de BB foi insensato por já passar um sentimento de desfecho. A graça da historia não estava na sua conclusão mas no trajeto insano que ela percorre. O fim a destrói. Um epílogo destrói a beleza da caminhada que neste caso é mais importante que a mera chegada. É um gozo efêmero que cancela as preliminares contínuas.

Bem a calhar veio o comentário de mARIA eDUARDA que li ontem na pag. 163 dos Maias. Questionaram Maria sobre um bordado que ela tecia e que nunca acabava. Sua resposta foi:
- "E para que se há de acabar? O grande prazer é anda-lo a fazer. Uma malha hoje, outra amanha, torna-se assim uma companhia.. para que se há de chegar logo ao fim das coisas?"
(...)

Maldito seja o capitulo final que ceifa sua companhia.
O ideal seria que a temporada se congelasse. Perfeita sem a expectativa do fim. Necessita a humanidade evoluir-se ao ponto de criar a criogenia Cultural. Disso que carecemos: congelamento de sensações. Mais do que congelamento de carnes e polpas de açaí.