sexta-feira, 7 de outubro de 2016

As pedras do caminho

A capital de Minas fazia jus ao nome quando se olhava para o horizonte de 90 anos atrás. Em um panorama sem prédios encardidos o firmamento tocava as serras em cores de chumbo cobreado com tons de Sasha embarbecido. O romantismo descia dos céus até a calmaria das ruas calçadas de gnaisses que brilham ao toque da chuva. Os anos encobriram a beleza dos paralelepípedos em nome da praticidade acolchoada do asfalto que melhor acalenta os pneus.
Chãos graníticos se converteram em ruas que são mais rodadas do que pisadas. Tristemente se apagaram os passos de um Drummond bêbado ou de um Pedro Nava lânguido que subiam a Rua da Bahia. Também sumiu o rastro do funcionário público de colarinho duro que descia a mesma rua ressoando o toc-toc do sapato bicolor em sola de madeira pelos veios da pedra.

No entanto, ainda resta uma vaga lembrança dos anos pueris da cidade pouco notada em meio ao embarque e desembarque da estação e os ébrios da boemia.   É na rua Aarão Reis que resiste a última via em calçamento original da jovem urbe das minas. Lá estão blocos de rocha que testemunharam a passada de boêmios que escreviam versos em paredes de banheiros nos quais se aspirava uma cocaína comprada em farmácia. Felizmente tenho o privilégio de caminhar por estas pedras todos os dias enquanto alimento a  esperança de resgatar um tempo que eu não vivi. É ali na fedentina do baixo centro que posso respirar a sublime permanência de uma nostalgia congelada na sonolenta ruazinha de pedras. Ruazinha esta que, contrariando a lógica das cápsulas do tempo, se preserva ironicamente por não estar enterrada. A Rua Aarão Reis acaba sendo uma cápsula do tempo pervertida. Enterrá-la seria matar os marcos memorialísticos que ela evoca o tempo todo em silêncio tomando sol e chuva, jorros de vômito e cascos quebrados de Heineken, passos corridos de quem bate o ponto e freadas do MOVE trambolhão. 

Andar pela manhã entre a Serraria e o viaduto garante aos que tem memória farta e coração mole um aperitivo dos idílicos sabores de uma Belo Horizonte que já está quase totalmente sepultada sob o macadame.

Sobrevivendo à tirania do asfaltamento ficaram alguns resquícios dos calçamentos de rua originais do inicio do século como na Alameda das palmeiras (praça da liberdade) e alguns caminhos dentro do Parque Municipal. Mas rua inteira do inicio ao fim é só a imunda Rua Aarão Reis que ainda resiste agonizando entre a modernidade e a beira do asfalto.










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