Orações, músicas, meditação, yoga, namoro, masturbação, esportes, ducha relaxante; todos são artifícios capazes de disfarçar as dores da alma tão dificilmente abrandadas pelas situações da realidade. Quando alguém encobre o sentimento do desânimo e da labuta, tão presente em uma rotina bruta de serviço ou no trabalho empoeirado da faxina semanal ouvindo no último volume o som da música predileta não está este alguém criando felicidade para si de forma perene. Não senhor. Este gesto tão comum que repetidas vezes fazemos uso como fortificante da alma apenas abafa, por instantes preciosos, os sentimentos e as tensões da tristeza.
Tais métodos citados para a obtenção de prazer e levantamento do astral geralmente são vistos como o oposto da droga. Por serem saudáveis, isentos de componentes químicos nocivos e de poder viciante. Eles transmitem com propriedade a antítese do vício. Mais do que isso tais meios transmissores de prazer interior como o esporte, o sexo ou a atividade física são louvados como milagrosos antídotos aos entorpecentes.
Porém se engana quem assim o pensa. Estes desconhecem a forma de atuação que uma bela música ou um orgasmo imprimem no cérebro. As práticas saudáveis de prazer liberam sustâncias químicas no cérebro responsáveis por estímulos de prazer. Ou seja, para nos levar ao bem estar eles seguem o mesmo principio que as tão abomináveis drogas ilícitas. Certos de que os meios não viciantes podem abrir as mesmas portas que a cocaína ou a maconha através de chaves diferentes podemos dizer que ambos têm os mesmos princípios, uma essência similar com fins é claro distintos ao longo do processo. A despeito disso é importante aceitarmos o quanto somos dependentes dessas formas externas de incentivo ao bom humor. Até mesmo aqueles que se definem como implacáveis combatentes das drogas e dos vícios chegam , na grande maioria das vezes, a fazer uso das mais variadas formas artificiais que transmitam prazer , bem estar, ou ate mesmo a tão necessária arma de sobrevivência a qualquer uma das tantas doenças que submetem nosso corpo a este estado tão singelo de mortalidade que a criação nos dotou. Inúmeras pessoas que nunca repousaram um baseado em suas bocas ou aspiraram o pó mágico da sul américa não por acaso tornam-se grandes beberrões. Acabam por compensar através do álcool aquelas sensações de bem estar e recreação que os chamados de nóias adquirem por outras formas. Aqueles que definem como indispensável a cerveja dos fins de semana chocam –se muitas vezes ao notar, naqueles que fumam a cannabis sativa, um desejo intenso de fazer uso desta erva em variadas situações de convívio social ou recreativo. Os que se chocam geralmente não reconhecem nos fumantes uma postura que tenha algo em comum com a postura deles. Ao que parece para muitos beberrões a imagem do pileque por mais decadente que seja em nada pode se comparar com a degradada situação de um miserável que se entorpece com a maconha. Consideremos também a quantidade de pessoas ditas caretas que não abrem mão de seus cafés diários, tão eficientes no combate do sono ou de seus milagrosos remédios de dormir que as afastam da temida insônia. Se considerarmos, portanto as drogas, no sentido amplo do termo, percebemos que todos no mundo as usam e delas dependem para guiarem suas vidas em um ritmo aceitável. O fato já esta lançado: O que nos atira no uso das drogas mais, do que uma ira divina ou a injusta intervenção demoníaca é primeiramente a nossa natureza humana deficitária, mortal. Que é dependente de formas artificiais de autosatisfação.
A aceitação disso, da nossa inclinação natural para o uso de meios externos que transmitam autosatisfaçoes, não tem o propósito de encobrir com um véu de pessimismo e determinismo nossas ações de resistência aos vícios, pelo contrario. A aceitação de tal fato nos conscientiza de nossa fraqueza e sinaliza nossas consciências para uma vigilância mais duradoura, uma reflexão mais perene e um encorajamento maior frente nossas responsabilidades pessoais. Já que somos dependentes em potencial a aceitação disso deve nos libertar de uma crença cega no poder do estado que, dotado dos mecanismos pertinentes de repressão chega a ser visto quase sempre pelas massas como única coisa capaz de nos afastar por completo deste mal. Único meio de salvação capaz de solucionar nossos vícios que muitas vezes nascem de nossas carências, de nossa fome e que, portanto só efetivamente serão detidos por nós mesmos e não por armas que são capazes de matar mas não de aplacar nossos vazios. Nossa fome pelo prazer ou coisas similares.
Notem as expressões de felicidade presentes nos rostos daqueles que escalam montanhas ao atingirem o cume dos montes. Seus corpos mergulham na plenitude de uma euforia tão bela quanto recompensadora. Por mais que a face de um operário se enrugue no desanimo ou no cansaço nota -se um desabrochar de esperança em seus olhos quando este ouve a música que toca seu coração. Seu horizonte elevado aos mais alentadores sentimentos de lembrança felizes resgatadas na memória ao som daquele embalo o transmuta em titã capaz de vencer a dor do trabalho exaustivo e braçal apenas com notas musicais que bailam ao redor das fumaças de seu cigarro aceso. A faxineira que ouve seu Amado batista limpa melhor assim como o motorista estressado ignora o caos externo no conforto de sua câmara acústica dentro do veiculo que se faz para ele um paraíso. Quantos milhões de trabalhadores honestos e produtivos fazem uso da sexta feira como dia sagrado de seus happy hours de seus chopes e idas ao bar como forma de recompensa pela exaustão do trabalho semanal? Todos estes estão saciando suas carências corporais. Estão garantindo por meio de um meio artificial seja ele música, álcool, nicotina, esporte ou liberação de adrenalina a solução de lacunas que a vida nos impõe e que tantas vezes inibe a felicidade plena. Não diferentemente pessoas aspiram cocaína ou fumam maconha para trazerem mais prazer em suas vidas ou aplacarem suas frustrações e depressões existenciais.
Não se pode dizer que pessoas em tais situações são felizes de fato. São pessoas na verdade capazes de manipular seus sentidos, driblar os sintomas da tristeza e das adversidades com armas disponíveis em nossa sociedade que como vimos podem ser oriundas de um traficante ou de um rádio FM. Os humanos desde que nascem vagueiam pelo mundo atrás das armas ideais e da força, muitas vezes disponível apenas na metafísica ou na crença de algo superior, capazes de aplacar o sofrimento. Ao se deparar com alguém feliz pode-se indagar que pessoa feliz! Ou tão somente: Quais serão os meios que ela usa para se manter sem a tristeza? Tais meios na maioria das vezes são artificiais e externos. Alguns têm a condição de lícitos, outros podem não ter. Pessoas infelizes não necessariamente são tristes, mas provavelmente não fizeram uso ainda da droga ideal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário